
O Conselho Federal de Medicina (CFM) aprovou um novo parecer que marca um avanço significativo na humanização do atendimento às famílias que enfrentam a perda gestacional precoce. A partir do Parecer CFM nº 26/2025, médicos de todo o país passam a ter orientação expressa para emitir a Declaração de Óbito (DO) para nascituros com menos de 20 semanas, independentemente da idade gestacional, peso ou estatura do feto. A medida corrige uma lacuna histórica e garante que pais possam realizar cerimônias fúnebres e viver o luto de forma digna e amparada.
Até então, a legislação e a prática médica recomendavam a emissão da Declaração de Óbito apenas para fetos com mais de 22 semanas, ou aqueles que atingissem parâmetros mínimos como 500 gramas ou 25 centímetros. Na prática, famílias que sofriam uma perda precoce muitas vezes deixavam maternidades e hospitais sem possibilidade de sepultamento e sem qualquer documento que reconhecesse a existência e a memória daquela vida interrompida.
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Declaração de Óbito – direito das famílias ao luto
O novo parecer atende a um pedido de esclarecimento do Conselho Regional de Medicina de Santa Catarina (CRM-SC), que questionou a impossibilidade de entregar o feto à família nos casos de óbito com menos de 22 semanas sem emissão da Declaração de Óbito. A dúvida envolvia ainda o destino adequado dos restos fetais à luz das normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que orientam sobre o tratamento de resíduos de serviços de saúde.
Segundo o relator do parecer, conselheiro federal Raphael Câmara, o CFM reconheceu a dor de famílias que, além da perda, enfrentavam entraves burocráticos que agravavam o sofrimento. Ele destacou que o novo entendimento oferece uma resposta sensível e alinhada à dignidade humana. Para Câmara, a possibilidade de emitir a DO permitirá que os pais deixem o hospital com o nascituro, quando assim desejarem, e realizem o ritual de despedida que considerarem adequado, seja religioso ou simbólico.

A mudança também se apoia em um avanço legislativo recente. A Lei nº 15.139/25, proposta pela deputada federal Geovania de Sá, instituiu a Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental e promoveu alterações na Lei de Registros Públicos. Entre as garantias previstas está o direito dos pais de dar um nome ao natimorto, bem como registrar data e local do parto e, quando possível, impressões plantares e digitais, fortalecendo o reconhecimento e a memória afetiva do bebê.
Com a nova lei, a emissão da Declaração de Óbito torna-se obrigatória para todos os casos de morte fetal. Assim, o parecer do CFM ajusta a orientação médica ao novo marco legal, eliminando divergências e oferecendo segurança jurídica e emocional às famílias. O conselheiro Raphael Câmara reforçou que a medida rompe com interpretações restritivas e reafirma o compromisso da instituição com o respeito ao luto parental, considerado um dos processos mais dolorosos vividos por mães e pais.
A aprovação do parecer ocorreu por aclamação na plenária do CFM e recebeu elogios de conselheiros de diferentes estados. O 1º vice-presidente, Emmanuel Fortes, destacou a clareza e a precisão do relatório, classificando-o como um documento de extrema relevância para a prática médica. A conselheira federal Maíra Dantas, representante da Bahia, ressaltou que a orientação supre uma lacuna sentida há anos na rotina hospitalar, especialmente em casos de perda gestacional precoce que deixavam famílias desassistidas.
Com a nova diretriz, estabelecimentos de saúde — públicos e privados — devem adotar o procedimento de emissão da Declaração de Óbito em todos os casos de natimortalidade, independentemente da fase gestacional. Além disso, continua vedada a entrega do feto à família sem o documento, garantindo que todos os trâmites ocorram de forma alinhada às normas de saúde e de registro civil.

A mudança representa um passo importante na humanização da assistência à saúde e reforça a necessidade de acolhimento integral às famílias em situações de perda. Especialistas apontam que rituais de despedida podem desempenhar um papel fundamental no enfrentamento do luto, ajudando a reduzir impactos psicológicos e a promover um processo mais saudável de elaboração da dor.
Ao alinhar-se à legislação e às demandas emocionais das famílias, o CFM consolida uma política mais sensível e coerente com a realidade dos serviços de saúde. A emissão da Declaração de Óbito para nascituros com menos de 20 semanas se torna, assim, não apenas um ato formal, mas um reconhecimento do vínculo afetivo, da dignidade humana e da necessidade de dar visibilidade ao sofrimento parental — muitas vezes silencioso e socialmente invisibilizado.
A nova orientação deve transformar a rotina de maternidades e hospitais em todo o país, permitindo que famílias vivam o luto com o respeito e o acolhimento que merecem. É um passo importante para tornar o ambiente de saúde mais humano, sensível e alinhado às reais necessidades daqueles que enfrentam um dos momentos mais difíceis da vida.
Fonte: CFM









