Um estudo internacional revelou o profundo impacto econômico e social das mortes prematuras por câncer no mundo. Em 2022, cerca de 3,6 milhões de pessoas em idade produtiva (15 a 64 anos) morreram em decorrência da doença, resultando em uma perda estimada de 41,4 milhões de anos potenciais de vida produtiva. O prejuízo financeiro foi calculado em US$ 584 bilhões, o equivalente a 0,6% do PIB mundial.
O levantamento, intitulado Perdas globais de produtividade remunerada e não remunerada devido à mortalidade relacionada ao câncer, foi conduzido pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc), com participação do Instituto Nacional de Câncer (INCA), e publicado no Journal of the National Cancer Institute. A pesquisa analisou dados de 185 países e 36 tipos de câncer, levando em conta tanto o trabalho remunerado quanto o não remunerado — este último, frequentemente invisibilizado, mas de grande relevância econômica e social.

Impacto das mortes prematuras
Do total das mortes prematuras, 53,8% correspondem a trabalho remunerado e 46,2% ao não remunerado, o que expõe um aspecto importante de gênero. “Incluir o trabalho não remunerado reconhece a natureza de gênero desse tipo de atividade, que permanece subvalorizado, apesar de sua importância econômica e social”, explica Isabelle Soerjomataram, chefe adjunta da Divisão de Vigilância do Câncer da Iarc.
Ela destaca que, como as mulheres ainda realizam a maior parte das tarefas domésticas e de cuidado, as perdas econômicas associadas às mortes femininas por câncer são ainda mais significativas quando se inclui o valor do trabalho não pago. “Quando um indivíduo morre mais cedo do que o esperado, perdemos suas contribuições para suas famílias, comunidades e sociedade. Do ponto de vista social, isso pode ser medido pelo valor da produtividade perdida”, afirma a pesquisadora.

Brasil registra mais de 100 mil mortes prematuras
O estudo revelou que o Brasil registrou 107.663 mortes prematuras por câncer entre pessoas em idade produtiva em 2022. O impacto econômico estimado foi de US$ 7,4 bilhões em perdas de produtividade. O custo médio por óbito foi de US$ 69 mil, sendo US$ 70 mil para homens e US$ 67,6 mil para mulheres.
Entre os homens, os cânceres de pulmão, colorretal e estômago foram os que mais contribuíram para as perdas econômicas, refletindo a alta mortalidade desses tipos. Entre as mulheres, o destaque ficou para os cânceres de mama, colo do útero e pulmão.
Os tumores com maior perda por óbito individual foram os de testículo (US$ 150,3 mil), sarcoma de Kaposi (US$ 130 mil) e linfoma de Hodgkin (US$ 114 mil) — doenças que, embora menos frequentes, atingem pessoas mais jovens e, portanto, representam perdas produtivas maiores.
América do Sul revela vulnerabilidades regionais
Na América do Sul, o custo médio da perda de produtividade por mortes prematuras foi estimado em US$ 96,5 mil, sendo US$ 91,6 mil para homens e US$ 100,9 mil para mulheres. Entre os tipos de câncer mais onerosos estão o de pulmão (US$ 91 bilhões), seguido por mama (US$ 57 bilhões), fígado (US$ 51 bilhões) e colorretal (US$ 51 bilhões).
Segundo Marianna de Camargo Cancela, pesquisadora em epidemiologia do INCA, esses números revelam desigualdades estruturais na região. “Os cânceres de mama e colo do útero têm peso maior na América do Sul do que em países de alta renda, indicando vulnerabilidades específicas ligadas à saúde da mulher em idade produtiva”, explica.
Relação entre saúde, economia e políticas públicas
A pesquisa destaca a interconexão entre saúde pública e desenvolvimento econômico, reforçando que os investimentos em prevenção, rastreamento e tratamento oncológico são não apenas medidas de saúde, mas também estratégias econômicas.
Para a pesquisadora Marianna de Camargo, que atua na Coordenação de Pesquisa e Inovação do INCA e colabora com o Hub Latino-Americano da Iniciativa Global de Registros de Câncer (GICR), compreender a dimensão econômica das perdas é essencial para orientar políticas públicas. “O objetivo desse tipo de estudo é compreender que ações governamentais e intersetoriais devem ser realizadas para que se avance globalmente no controle do câncer”, afirma.
Ela reforça que a inclusão de ambos os tipos de atividade — remunerada e não remunerada — permite uma visão mais justa e completa das perdas sociais associadas às mortes por câncer. “Além de abordar questões de equidade de gênero, essa metodologia fornece estimativas mais precisas do impacto social e econômico da doença”, completa.
Um alerta global para prevenção e rastreamento
Os resultados do estudo funcionam como um alerta para governos e instituições de saúde em todo o mundo. O câncer, além de uma das principais causas de morte globalmente, representa um obstáculo significativo para o crescimento econômico sustentável.
Especialistas apontam que a prevenção e o diagnóstico precoce são estratégias com melhor custo-benefício para reduzir não apenas as mortes prematuras, mas também os impactos financeiros da doença. Campanhas de vacinação, como as do HPV e da hepatite B, rastreamentos populacionais e acesso ampliado ao tratamento são fundamentais para mitigar essas perdas.
“Cada morte precoce por câncer significa não apenas uma vida interrompida, mas também uma contribuição perdida para a sociedade”, reforça Soerjomataram. “Políticas públicas eficazes de controle do câncer devem ser vistas como investimentos — em saúde, em equidade e em desenvolvimento humano.”
Com os números de 2022, o estudo reforça a urgência de integrar estratégias de saúde, igualdade de gênero e economia na luta contra o câncer, para garantir não apenas mais anos de vida, mas também mais anos produtivos e com qualidade para a população global.
Fonte: Ministério da Saúde